COMPLEXO DE ENSINO SUPERIOR DO BRASIL
ESCOLA DE EDUCAÇÃO E
HUMANIDADES
CURSO DE SERVIÇO
SOCIAL
DISCIPLINA: “QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL” – 2º SSAN
PROFESSOR: MARCO ANTONIO DA ROCHA
Introdução:
Para NETTO, a “questão social” é, na agenda do Serviço
Social brasileiro, um ponto saliente, incontornável e praticamente consensual.
E o é por razões mais que sólidas:
1. De uma
parte está a pressão que sobre a prática profissional dos Assistentes Sociais
exerce o fato de que, corridas quase duas décadas da derrota da ditadura, a
chamada dívida social, longe de ser resgatada com a restauração democrática,
foi acrescida;
2. De outra
porque a continuidade do processo de renovação profissional exigiu uma
atualização da formação acadêmica que, muito corretamente, está ancorando o
projeto formativo na intervenção sobre a “questão social”.
“O Serviço Social se particulariza nas relações sociais de
produção e reprodução da vida social como uma profissão interventiva no âmbito
da QUESTÃO SOCIAL, expressa pelas contradições do desenvolvimento do
capitalismo monopolista”. (ABESS/CEDEPSS, 1986: p. 5,6)
1. As origens da questão social:
Parece
consensual, ainda que existam diferenças de enfoque entre os autores
consultados, que a questão social tem sua origem no curso da constituição e
desenvolvimento da sociedade capitalista, expressando o conjunto de problemas
políticos, econômicos e sociais que a formação da classe operária e sua entrada
na cena política desencadearam. (CERQUEIRA FILHO, 1982, p. 13).
IAMAMOTO
(1998, p. 27) identifica a raiz da questão social na contradição básica
fundante da sociedade capitalista: o fato de ser a produção cada vez mais
amplamente social, enquanto a apropriação dos bens produzidos mantém-se privada
e monopolizada por um grupo cada vez menor de pessoas. Seguindo, ainda, o
raciocínio da autora, temos que na sociedade capitalista – face à contradição
entre o trabalho coletivo e a apropriação privada da atividade, das condições e do fruto do
trabalho – estão dadas as condições para que o homem tenha cada vez mais acesso
à natureza, à ciência, ao desenvolvimento das forças produtivas, mas é, também,
nesta sociedade que produz-se cada vez mais pobreza, miséria, desesperança.
Em
outro ensaio, IAMAMOTO (2001, p. 17) afirma que questão social tem a ver com a
emergência da classe operária e seu ingresso no cenário político, por meio das
lutas desencadeadas em prol dos direitos atinentes ao trabalho, exigindo o seu
reconhecimento como classe pelo bloco do poder, e, em especial pelo Estado.
Foram as lutas sociais que
romperam o domínio privado nas relações entre capital e trabalho, extrapolando
a questão social para a esfera pública, exigindo a interferência do Estado para
o reconhecimento e a legalização dos direitos e deveres dos sujeitos sociais envolvidos.
Esse reconhecimento dá origem a uma ampla esfera de direitos sociais públicos
atinentes ao trabalho – consubstanciados em serviços e políticas sociais -, o
que, nos países centrais, expressou-se no Welfare State, Estado Providência ou
Estado Social. (idem, ibid.)
2. Concepções:
MOTA (2000,
p. 1) entende que a expressão “questão
social” é uma “definição estratégica”, vez que é um conceito que não conceitua,
embora esteja saturado de história. Assim, a autora esclarece que quando
referimo-nos à questão social “estamos falando de pauperização relativa como um
processo imanente e constitutivo do processo de acumulação capitalista e da
desigualdade estrutural que marca a relação entre as classes fundamentais”.
CERQUEIRA
FILHO (1982, p. 13), entende que a questão social é a “expressão do conjunto de
problemas políticos, econômicos e sociais que a formação da classe operária e
seu ingresso no cenário político desencadearam, no curso da constituição e
desenvolvimento da sociedade capitalista.
IANNI (1991)
afirma que “a questão social está na base dos movimentos da sociedade
brasileira, como produto e condição da ordem burguesa. Diz respeito à sociedade
de classes e é expressão das lutas dos trabalhadores urbanos e rurais pela
apropriação da riqueza produzida socialmente.”
CASTEL
(1997), por sua vez, entende que a “questão social é uma questão a partir da
qual uma sociedade se pergunta sobre a sua coesão social e procura afastar o
risco de sua fratura.”
TELLES
(1996) afirma que a “questão social é o ângulo através do qual as sociedades
podem ser descritas, problematizadas em sua história, seus dilemas e
perspectivas de futuro.”
3. Questão social, questões
sociais, ou diversas formas de manifestação da questão social?
MOTA (2000, p. 4) não se conforma
em reduzir a questão social às manifestações das diversas “questões
sociais”, “cuja resolução esteja
depositada na efetividade das políticas sociais. Ao contrário, ela é uma
expressão objetiva da natureza da sociedade capitalista e objeto da definição de
um projeto político que a supere numa perspectiva emancipatória, ou que a
perpetue enquanto processo de administração da desigualdade social.”
4. Existe uma “nova” Questão Social?
Se
entendermos que a questão social origina-se quando da emergência da sociedade
capitalista industrial, portanto em sua fase mais consolidada (segunda metade
do século XIX), é forçoso admitirmos que – se em seu âmago a questão social
continua a mesma (como defende MOTA) – suas expressões metamorfosearam-se em
decorrência do processo de desenvolvimento das relações capitalistas de
produção.
Nessa
mesma direção,. PEREIRA (2001, p. 54) discorda da qualificação “nova” questão
social, “pelo fato de ela basicamente referir-se às manifestações
contemporâneas de problemas que são engendrados pelas contradições fundamentais
já referidas..., mas evidentemente que não se pode negar que estamos diante de
uma nova conjuntura.”
Discordando
de ambas, CASTEL (1997, p. 165/166) entende que quando a questão social foi
explicitamente colocada pela primeira vez, por volta de 1830, representava “uma ameaça de fratura representada pelos
proletários das primeiras concentrações industriais que, como dizia Augusto
Comte, acampam na sociedade industrial sem estarem nela encaixados, integrados.
São estas populações flutuantes, miseráveis, não socializadas, cortadas de seus
vínculos rurais que ameaçam a ordem social, seja pela violência revolucionária,
seja como um gangrena”. Para ele, se
era essa a questão social na primeira metade do século XIX, não é mais a
questão social de hoje,
“porque essa ameaça foi afastada, porque esse
primeiro proletariado miserável e subversivo passou a ser uma classe operária
relativamente integrada, após um conjunto de processos... . A nova questão
social hoje parece ser o questionamento desta função integradora do trabalho na
sociedade. Uma desmontagem desse sistema de proteções e garantias que foram
vinculadas ao emprego e uma desestabilização, primeiramente da ordem do
trabalho, que repercute como uma espécie de choque em diferentes setores da
vida social, para além do mundo do trabalho propriamente dito” .
5. As armadilhas que podem
envolver a análise da questão social
Segundo IAMAMOTO (2001, p. 17/18), uma
dupla armadilha pode envolver a análise da questão social, quando suas
múltiplas e diferenciadas expressões são desconectadas de sua gênese comum,
desconsiderando os processos sociais contraditórios - na sua dimensão de
totalidade - que as criam e as transformam.
Corre-se o risco de cair na pulverização e fragmentação das questões
sociais, atribuindo unilateralmente aos indivíduos a responsabilidade por
suas dificuldades. Deriva na ótica de análise dos "problemas sociais” ,
como problemas do indivíduo isolado, perdendo-se a dimensão coletiva e
isentando a sociedade de classes da responsabilidade na produção das
desigualdades sociais. Por uma artimanha ideológica, elimina-se, no nível da
análise, a dimensão coletiva da questão social reduzindo-a a uma dificuldade do
indivíduo. A pulverização da questão social típica da ótica liberal resulta na
autonomização de suas múltiplas expressões - as várias "questões
sociais", - em detrimento da perspectiva de unidade. Impede assim de
resgatar a origem da questão social imanente à organização social capitalista,
o que não elide a necessidade de apreender as múltiplas expressões e formas
concretas que assume.
Outra armadilha é aprisionar a análise em um discurso
genérico, que redunda em uma visão unívoca e indiferenciada da questão
social prisioneira das análises estruturais, segmentadas da dinâmica
conjuntural e da vida dos sujeitos sociais. A questão social passa a ser
esvaziada de suas particularidades, perdendo o movimento e a riqueza da vida,
ao se desconsiderar suas expressões específicas, que desafiam a "pesquisa
concreta de situações concretas". (como a violência, o trabalho infantil,
a violação dos direitos humanos, etc.).
Concluindo, a indicação é de que
presencia-se hoje uma renovação da velha questão social, inscrita na própria
natureza das relações sociais capitalistas, sob outras roupagens e novas
condições sócio-históricas de sua produção/reprodução na sociedade
contemporânea, aprofundando suas contradições. Alteram-se as bases históricas
que mediatizam sua produção/reprodução na periferia dos centros mundiais, em um
contexto de globalização da produção e dos mercados, da política e da cultura,
sob a égide do capital financeiro, acompanhadas de lutas surdas e abertas,
nitidamente desiguais, que demarcam esse processo na cena contemporânea.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ABESS/CEDEPSS. Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social,
Cadernos ABESS. São Paulo, Cortez, 1996, pág. 5 e 6.
CERQUEIRA FILHO. G. A questão social no Brasil.
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1982.
CASTEL, Robert. As transformações da
questão social. In:
BELFIORE-WANDERLEY, Mariângela et al (org.)
Desigualdade e
Questão Social. São Paulo, Educ, 1997.
DEGENSZAJN, Raquel R. Material de apoio das aulas
da disciplina Questão Social e Serviço Social. Mestrado e Doutorado em
Serviço Social, convênio PUCSP, PUCPR, FIES, UnC. Mimeo, 2000.
IAMAMOTO, Marilda V. O Serviço Social na
contemporaneidade: trabalho e formação profissional. São
Paulo, Cortez Editora, 1998.
IAMAMOTO, Marilda V. A questão social no capitalismo. In Temporalis, Associação Brasileira de
Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Ano 2, n. 3 (jan./jul.2001). Brasília:
ABEPSS, Grafline, 2001.
IANNI, Octávio. A questão Social. In: Revista São Paulo em perspectiva –
n°. 5(1):2-10, janeiro/março/91.
MOTA. Ana Elizabete. O Serviço Social na
contemporaneidade: a “questão social” e
as perspectivas ético-políticas. Comunicação apresentada ao XXIX
Encontro Nacional CFESS/CRESS. Maceió, mimeo, 2000.
NETTO, José Paulo. Cinco notas a
propósito da questão social. In Temporalis, Associação Brasileira de Ensino
e Pesquisa em Serviço Social. Ano 2, n. 3 (jan./jul.2001). Brasília: ABEPSS,
Grafline, 2001.
PEREIRA, Potyara A. P. Questão Social, Serviço
Social e Direitos de Cidadania. In Temporalis, Associação
Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Ano 2, n. 3 (jan./jul.2001).
Brasília: ABEPSS, Grafline, 2001.
TELLES, Vera. Questão social: afinal
do que se trata? In: São Paulo em Perspectiva, São Paulo,.
SEADE, v. 10, n. 4, p. 85-95, 1996.
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