sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

MATERIAL DO PROF. MARCOS


COMPLEXO DE ENSINO SUPERIOR DO BRASIL

ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

 

DISCIPLINA: “QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL” –  2º SSAN


PROFESSOR: MARCO ANTONIO DA ROCHA



Introdução:

Para NETTO, a “questão social” é, na agenda do Serviço Social brasileiro, um ponto saliente, incontornável e praticamente consensual.

E o é por razões mais que sólidas:

1.     De uma parte está a pressão que sobre a prática profissional dos Assistentes Sociais exerce o fato de que, corridas quase duas décadas da derrota da ditadura, a chamada dívida social, longe de ser resgatada com a restauração democrática, foi acrescida;

2.     De outra porque a continuidade do processo de renovação profissional exigiu uma atualização da formação acadêmica que, muito corretamente, está ancorando o projeto formativo na intervenção sobre a “questão social”.

“O Serviço Social se particulariza nas relações sociais de produção e reprodução da vida social como uma profissão interventiva no âmbito da QUESTÃO SOCIAL, expressa pelas contradições do desenvolvimento do capitalismo monopolista”. (ABESS/CEDEPSS, 1986: p. 5,6)


1. As origens da questão social:

Parece consensual, ainda que existam diferenças de enfoque entre os autores consultados, que a questão social tem sua origem no curso da constituição e desenvolvimento da sociedade capitalista, expressando o conjunto de problemas políticos, econômicos e sociais que a formação da classe operária e sua entrada na cena política desencadearam. (CERQUEIRA FILHO, 1982, p. 13).

IAMAMOTO (1998, p. 27) identifica a raiz da questão social na contradição básica fundante da sociedade capitalista: o fato de ser a produção cada vez mais amplamente social, enquanto a apropriação dos bens produzidos mantém-se privada e monopolizada por um grupo cada vez menor de pessoas. Seguindo, ainda, o raciocínio da autora, temos que na sociedade capitalista – face à contradição entre o trabalho coletivo e a apropriação privada  da atividade, das condições e do fruto do trabalho – estão dadas as condições para que o homem tenha cada vez mais acesso à natureza, à ciência, ao desenvolvimento das forças produtivas, mas é, também, nesta sociedade que produz-se cada vez mais pobreza, miséria, desesperança.

Em outro ensaio, IAMAMOTO (2001, p. 17) afirma que questão social tem a ver com a emergência da classe operária e seu ingresso no cenário político, por meio das lutas desencadeadas em prol dos direitos atinentes ao trabalho, exigindo o seu reconhecimento como classe pelo bloco do poder, e, em especial pelo Estado.

Foram as lutas sociais que romperam o domínio privado nas relações entre capital e trabalho, extrapolando a questão social para a esfera pública, exigindo a interferência do Estado para o reconhecimento e a legalização dos direitos e deveres dos sujeitos sociais envolvidos. Esse reconhecimento dá origem a uma ampla esfera de direitos sociais públicos atinentes ao trabalho – consubstanciados em serviços e políticas sociais -, o que, nos países centrais, expressou-se no Welfare State, Estado Providência ou Estado Social. (idem, ibid.)


2. Concepções:

MOTA (2000, p. 1)  entende que a expressão “questão social” é uma “definição estratégica”, vez que é um conceito que não conceitua, embora esteja saturado de história. Assim, a autora esclarece que quando referimo-nos à questão social “estamos falando de pauperização relativa como um processo imanente e constitutivo do processo de acumulação capitalista e da desigualdade estrutural que marca a relação entre as classes fundamentais”.

CERQUEIRA FILHO (1982, p. 13), entende que a questão social é a “expressão do conjunto de problemas políticos, econômicos e sociais que a formação da classe operária e seu ingresso no cenário político desencadearam, no curso da constituição e desenvolvimento da sociedade capitalista.

IANNI (1991) afirma que “a questão social está na base dos movimentos da sociedade brasileira, como produto e condição da ordem burguesa. Diz respeito à sociedade de classes e é expressão das lutas dos trabalhadores urbanos e rurais pela apropriação da riqueza produzida socialmente.”

CASTEL (1997), por sua vez, entende que a “questão social é uma questão a partir da qual uma sociedade se pergunta sobre a sua coesão social e procura afastar o risco de sua fratura.”

TELLES (1996) afirma que a “questão social é o ângulo através do qual as sociedades podem ser descritas, problematizadas em sua história, seus dilemas e perspectivas de futuro.”


3. Questão social, questões sociais, ou diversas formas de manifestação da questão social?

MOTA (2000, p. 4) não se conforma em reduzir a questão social às manifestações das diversas “questões sociais”,  “cuja resolução esteja depositada na efetividade das políticas sociais. Ao contrário, ela é uma expressão objetiva da natureza da sociedade capitalista e objeto da definição de um projeto político que a supere numa perspectiva emancipatória, ou que a perpetue enquanto processo de administração da desigualdade social.” 


4. Existe uma “nova” Questão Social?

Se entendermos que a questão social origina-se quando da emergência da sociedade capitalista industrial, portanto em sua fase mais consolidada (segunda metade do século XIX), é forçoso admitirmos que – se em seu âmago a questão social continua a mesma (como defende MOTA) – suas expressões metamorfosearam-se em decorrência do processo de desenvolvimento das relações capitalistas de produção.

Nessa mesma direção,. PEREIRA (2001, p. 54) discorda da qualificação “nova” questão social, “pelo fato de ela basicamente referir-se às manifestações contemporâneas de problemas que são engendrados pelas contradições fundamentais já referidas..., mas evidentemente que não se pode negar que estamos diante de uma nova conjuntura.”

Discordando de ambas, CASTEL (1997, p. 165/166)  entende que quando a questão social foi explicitamente colocada pela primeira vez, por volta de 1830, representava “uma ameaça de fratura representada pelos proletários das primeiras concentrações industriais que, como dizia Augusto Comte, acampam na sociedade industrial sem estarem nela encaixados, integrados. São estas populações flutuantes, miseráveis, não socializadas, cortadas de seus vínculos rurais  que ameaçam a ordem  social, seja pela violência revolucionária, seja como um gangrena”. Para  ele, se era essa a questão social na primeira metade do século XIX, não é mais a questão social de hoje,

“porque essa ameaça foi afastada, porque esse primeiro proletariado miserável e subversivo passou a ser uma classe operária relativamente integrada, após um conjunto de processos... . A nova questão social hoje parece ser o questionamento desta função integradora do trabalho na sociedade. Uma desmontagem desse sistema de proteções e garantias que foram vinculadas ao emprego e uma desestabilização, primeiramente da ordem do trabalho, que repercute como uma espécie de choque em diferentes setores da vida social, para além do mundo do trabalho propriamente dito” .


5. As armadilhas que podem envolver a análise da questão social

Segundo IAMAMOTO (2001, p. 17/18), uma dupla armadilha pode envolver a análise da questão social, quando suas múltiplas e diferenciadas expressões são desconectadas de sua gênese comum, desconsiderando os processos sociais contraditórios - na sua dimensão de totalidade - que as criam e as transformam.

Corre-se o risco de cair na pulverização e fragmentação das questões sociais, atribuindo unilateralmente aos indivíduos a responsabilidade por suas dificuldades. Deriva na ótica de análise dos "problemas sociais” , como problemas do indivíduo isolado, perdendo-se a dimensão coletiva e isentando a sociedade de classes da responsabilidade na produção das desigualdades sociais. Por uma artimanha ideológica, elimina-se, no nível da análise, a dimensão coletiva da questão social reduzindo-a a uma dificuldade do indivíduo. A pulverização da questão social típica da ótica liberal resulta na autonomização de suas múltiplas expressões - as várias "questões sociais", - em detrimento da perspectiva de unidade. Impede assim de resgatar a origem da questão social imanente à organização social capitalista, o que não elide a necessidade de apreender as múltiplas expressões e formas concretas que assume.

Outra armadilha é aprisionar a análise em um discurso genérico, que redunda em uma visão unívoca e indiferenciada da questão social prisioneira das análises estruturais, segmentadas da dinâmica conjuntural e da vida dos sujeitos sociais. A questão social passa a ser esvaziada de suas particularidades, perdendo o movimento e a riqueza da vida, ao se desconsiderar suas expressões específicas, que desafiam a "pesquisa concreta de situações concretas". (como a violência, o trabalho infantil, a violação dos direitos humanos, etc.).

Concluindo, a indicação é de que presencia-se hoje uma renovação da velha questão social, inscrita na própria natureza das relações sociais capitalistas, sob outras roupagens e novas condições sócio-históricas de sua produção/reprodução na sociedade contemporânea, aprofundando suas contradições. Alteram-se as bases históricas que mediatizam sua produção/reprodução na periferia dos centros mundiais, em um contexto de globalização da produção e dos mercados, da política e da cultura, sob a égide do capital financeiro, acompanhadas de lutas surdas e abertas, nitidamente desiguais, que demarcam esse processo na cena contemporânea.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ABESS/CEDEPSS. Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social, Cadernos ABESS. São Paulo, Cortez, 1996, pág. 5 e 6.
CERQUEIRA FILHO. G. A questão social no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1982.
CASTEL, Robert. As transformações da questão social. In: BELFIORE-WANDERLEY, Mariângela et al (org.) Desigualdade e Questão Social. São Paulo, Educ, 1997.
DEGENSZAJN, Raquel R. Material de apoio das aulas da disciplina Questão Social e Serviço Social. Mestrado e Doutorado em Serviço Social, convênio PUCSP, PUCPR, FIES, UnC. Mimeo, 2000.
IAMAMOTO, Marilda V. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. São Paulo, Cortez Editora, 1998.
IAMAMOTO, Marilda V. A questão social no capitalismo.  In Temporalis, Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Ano 2, n. 3 (jan./jul.2001). Brasília: ABEPSS, Grafline, 2001.

IANNI, Octávio. A questão Social. In: Revista São Paulo em perspectiva – n°. 5(1):2-10, janeiro/março/91.
MOTA. Ana Elizabete. O Serviço Social na contemporaneidade: a  “questão social” e as perspectivas ético-políticas. Comunicação apresentada ao XXIX Encontro Nacional CFESS/CRESS. Maceió, mimeo,  2000.
NETTO, José Paulo. Cinco notas a propósito da questão social. In Temporalis, Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Ano 2, n. 3 (jan./jul.2001). Brasília: ABEPSS, Grafline, 2001.
PEREIRA, Potyara A. P. Questão Social, Serviço Social e Direitos de Cidadania. In Temporalis, Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Ano 2, n. 3 (jan./jul.2001). Brasília: ABEPSS, Grafline, 2001.
TELLES, Vera. Questão social: afinal do que se trata? In: São Paulo em Perspectiva, São Paulo,. SEADE, v. 10, n. 4, p. 85-95, 1996.

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